Querida Candombá,
Aqui é a Priscilla, me lembro da primeira vez que te vi, estava eu trilhando os caminhos da Chapada dos Veadeiros, (passei um mês trilhando esse mesmo caminho) e logo no início da trilha tinha um jardim de Canela de Ema, misturado com Candombás, gramíneas e pequenos arbustos. O chão era repleto de cristais leitosos, daqueles branquinhos e por baixo uma areia fina, eu me perguntava como aquela vegetação vivia ali, que aparentemente não é um solo fértil, na verdade é um solo bem antigo e vivido, se plantar algo ali só sendo do Cerrado para brotar.
Naquele momento não sabia ainda distinguir o que eram as Canelas de Ema e vocês, Candombás, com mais uns dias de trilha no mesmo local fui percebendo a diferença. As folhas finas verdes bem firmes apontando para o céu, com uma seiva oleosa escorrendo é uma semelhança, mas vi vocês com troncos mais grossos, e a principal diferença que notei foi uma linda saia de folhas antigas que ficam presas no tronco e o roxo da sua flor é mais escuro e mais forte do que a Canela de Ema.
Os dias foram passando e todos os dias passava por vocês, ficava tão feliz pela presença, vi seu florescimento e só fui observando e aprendendo. Me falaram que aquela seiva oleosa que eu via era altamente inflamável e quando o fogo vinha era o que te ajudava a florescer mais bonita e forte.
Anos passaram, passei a te reconhecer em outros cerrados e caatingas, para quem não te conhece eu amo te apresentar e contar seus segredos e ensinamentos. E você na sua tão singela presença e sabedoria ancestral, nunca deixou de me ensinar, sempre aprendo algo novo, você alimenta a dança do fogo com sua seiva e ainda renasce, se purifica e floresce, que sabedoria! Já ouvi histórias que os antigos garimpeiros e os povos tradicionais faziam tochas com seus galhos para iluminar os caminhos, por vocês aguentarem bem o fogo por um bom tempo.
Escolhi vocês com toda essa força e beleza para me representar num programa educativo em que trabalho, peço sua bênção e licença pra me conceder essa honra, peço também que ilumine meus caminhos. Espero te representar bem e para isso trago algumas perguntas.
Me interesso muito por esse jeito de se adaptar à vida e gostaria de saber como vocês conseguem ter essa paciência toda pra crescer. Fiquei sabendo que você cresce 1cm por ano e ainda cresce num ambiente difícil, dos cristais e areia fina, que falei ali em cima. Seriam esses seus nutrientes? O que te nutre além do chão e da água?
Fico te vendo e pensando, e essa saia de folhas secas abaixo das novas? Ficam lá um tempão, e você não larga, será que é lá que guarda suas memórias? Algumas são tão boas que não dá vontade de largar, não é mesmo? Mas também, depois vem o fogo e purifica tudinho.
Tô precisando aprender essas coisas, sobre memórias, adaptação e paciência no processo de alcançar o céu. Será que você tem essa percepção que cresce devagar?
Ando muito ansiosa pelo futuro, querendo que acabe logo esse filme trágico que estamos vivendo. Nesse filme, quantas Candombás já não se foram né? Imagino que não esteja nada fácil para vocês também.
Quero muito poder ajudar no nascimento de novas Candombás. Vamos continuar conversando, vou continuar te observando, te ouvindo no seu silêncio, te respeitando, quem sabe aprendo sobre esse crescer devagar com os recursos disponíveis, e como polinizadora, quem sabe aprendo a te dispersar e te cultivar pelas matas bonitas por aí.
E não sei se vocês já sabem, mas já vou falando que estão ficando famosas e conhecidas, já tem muitas fotos aí pela internet, histórias e estudos, tudo bem bonito viu?!
Sinto vocês minhas companheiras, fico muito feliz quando as encontro nas matas que ando, sempre que posso cumprimento e saúdo sua força, não vejo a hora de ter um reencontro.
Um abraço queridonas, fiquem bem
Priscilla.
P.S.: Durante o processo de escrita dessa carta encontrei um campo cheio de Candombás floridas, eram bem pequenas no máximo uns 30cm de altura, suas folhas encostavam no chão, estavam em Brazlândia, no solo bem parecido com o que falei ali cima, suas companheiras eram as arnicas e as mimosas. Antes de seu florescimento eu pensava que era só uma gramínea do cerrado e quando vi florida fiquei na dúvida se era uma espécie diferente de Candombá (Vellozia) ou se apenas estava crescendo. De qualquer forma, mesmo pequena demonstrou sua beleza e força, mostrando que pode ser pequena, pode não ser reconhecida pelo o que é, mas que no momento certo floresceu e em conjunto com outras, formaram um jardim lindo, o que atraiu olhares e despertou emoções inesperadas. Para mim uma parte dessa carta já foi respondida, inclusive coisas que nem perguntei. Gratidão!