É motivo de vergonha eu não saber nada sobre a árvore que me foi designada como representante? A ação mais automática para começar essa escrita é ir pesquisar no Google sobre você. Fico reflexiva ao imaginar um cenário em que eu pudesse consultar alguma avó, a fim de que a mesma me contasse histórias que ela guarda a seu respeito. Em que momento a gente parou de perguntar coisas para as avós? Será que quando eu for avó (se eu for avó) haverão perguntas para mim? Bem, voltando à carta. Achei um artigo que fala sobre o óleo essencial de sucupira branca. Me interessei por esse trecho:
“Para resistir à seca, a Sucupira forma em suas raízes nódulos de expansão como reserva de água em formato de batatas. O seu óleo essencial concentra-se apenas nas sementes com a função de inibir sua germinação até a época de chuva intensa, além de atuar na sua proteção contra insetos. As sementes são protegidas por uma dura couraça e a grande concentração de óleo e resina em seu interior evitando sua desidratação e morte sob o intenso sol do cerrado. O óleo da sucupira possui características calmantes e ansiolíticas, tranquilidade esta necessária para a sobrevivência de uma árvore que nasce em lugares tão estressantes, principalmente em se tratando de disponibilidade de água. Sua resistência à falta de água mostra uma capacidade “emocional” de saber lidar com os aspectos áridos da vida. Indicado para aqueles abalados por intenso sofrimento neste mundo, que tem que conviver com pessoas ríspidas, sem carinho ou emotividade, tornando-se por vezes pessoas tristes, feridas e amarguradas, que não deixam fluir mais as emoções de forma natural.”
Não quero me distrair com possíveis floreios apontados no texto, mas me atento ao modo como algumas das metáforas sobre a sua existência me atravessam numa intimidade de que eu não esperava. Me coloquei a divagar sobre como uma planta de sementes com cascas tão sólidas, sendo necessário até o uso de alicate para abri-la, guarda em seu interior um óleo com propriedades calmantes. Alguns minutos depois eu entendi que foi despertada em mim uma inveja de você, Sucupira Branca. Veja só, até uma árvore consegue equilibrar suas qualidades emocionais com muito mais sabedoria do que eu, que passei o dia inteiro ansiosa e completamente atravancada em minhas tarefas, por exemplo. Mas não quero me apegar a um sentimento tão injusto para com uma árvore como você, coitada. Seguimos.
Me pego agora, a imaginar quanto tempo você levou para compreender que precisava concentrar uma camada de óleo que ajuda a evitar uma desidratação. Ou foi coisa que já nasceu sabendo? Será que você em algum momento, já fez pirraça e se pôs a reclamar do calor e da seca do Cerrado, ou apenas aguentou firme, confiando que logo a chuva chegaria? Ou ainda, já rezou para São José clamando pela chegada das águas? As plantas teriam fé?
Mas enfim… continuando minha pesquisa desengonçada…
Não! Cansei de pesquisar, gosto mais de ficar aqui matutando mesmo, criando memórias junto com você, Ser que eu ainda não conheço.
Então… será que eu já cruzei contigo em minhas andanças pelo Cerrado? Queria dizer que me lembro de alguma vez que me deparei com alguma árvore grande das folhas roxas, mas se eu dissesse seria provavelmente alguma imagem mental que eu mais elaboro agora, a algo que possa ter acontecido de fato. Seria o caso de pedir desculpas a ti? Pedir desculpas por pisar nesse chão de modo tão distraído, ou talvez ensimesmado, me fazendo desatenta, não percebendo a presença das Sucupiras, que agora me deixam intrigadas ao ponto de sentir inveja de vocês. Mas que besteira, quem é que pede desculpas às árvores?
Vamos ao próximo assunto.
…
O próximo ponto é que talvez a gente esteja no meio de mais um fim do mundo, provavelmente porque ninguém se importa muito em pedir desculpas às árvores.
Cara, Sucupira Branca,
foi uma falha minha habitar o chão do Cerrado sem estar atenta a quem está aqui há tanto tempo. Peço desculpas, por me manter tão ocupada com minhas ansiedades e impaciências, me distanciando até do meu próprio eu-criança, tão afeiçoado por sentir a textura da terra. Peço desculpas por olhar tanto para as imagens dentro da minha cabeça, ignorando completamente a paisagem que me envolvia e acolhia nos momentos em que eu só queria não enxergar mais nada. Peço desculpas se já passei por você sem cumprimentar. Espero em breve poder te observar com olhos curiosos e não mais apenas pelas imagens tão quadradas que o Google me oferece. Espero em breve sentir o seu aroma e passar a mão sobre o seu tronco vivo. Nós ainda temos tempo e isso é motivo de muita graça! Espero um dia poder contar as histórias guardadas sobre você, quando a minha neta vier cheia de perguntas.
Com amor,
Lua